Mais que um olhar – prefácio

livro_olhar_capa<Mais sobre a apresentação do livro, aqui.>

Outro olhar.

Quando surge a oportunidade de escrever um texto que antecede um livro de poemas e fotografias, várias dúvidas se levantam a uma prefaciadora estreante. Uma pontinha de vaidade é inevitável…

Só falamos ou escrevemos sobre pessoas com o que delas guardamos e nos surge em mente quando pensamos saber o que disseram, desejaram ou têm vivido desde então. “… não será verdade que cada biógrafo inventa o seu biografado, e que andamos todos nós a inventar-nos uns aos outros?” como escreve Mário Cláudio.

Mais do que quem são “ de facto” – e quem poderia confirmar esta presumível e esboçada identidade …? – direi do que sinto e tenho resguardado.

Dos autores, Isilda Monteiro e Carlos Nabais, digo que ambos são estimados antigos colegas de profissão, hoje apenas a Isilda continua a lecionar e só a própria poderá dizer se há alguma influência disso no seu poetar.

 

No tempo em que fomos colegas em Mangualde, na Escola Gomes Eanes de Azurara que tão boas memórias me deixou, Zizi, mimoso nome que lhe dávamos, e eu coincidimos em muitas turmas e trabalhámos em grupos e projetos que tinham a sua marca – defesa do ambiente, preservação do património… – a minha – criatividade, estórias… – ou a nossa, de todos os professores envolvidos, novas oportunidades e experiências de aprendizagem significativa para os alunos, fora da rotina da Escola para lhes alargar olhares e caminhos.

Fizemos filmes, pesquisas, livrinhos, concorrendo foi ganhar e perder, e acima de tudo, cimentámos uma amizade feita de alegrias e cansaços, cumplicidades e descobertas. A unir-nos apenas dias inteiros passados na escola, reuniões nem sempre fáceis, muita papelada, multidões de alunos e colegas, jantares de natal, e um genuíno amor comum pela natureza e o campo. Para descontrairmos do trabalho falávamos de hortas, passeios, florestas, das tarefas e canseiras da lavoura. Agrada-me muito reencontrar nestes poemas essa paixão que agora se exprime em verso. Como na Ode à Poesia de Pablo Neruda


“Belo
foi
derramar-te sem te consumir,
distribuir a tua água inesgotável,
ver que uma gota
caía sobre um coração queimado
e que das cinzas renascia.”

também a autora encontrou um bálsamo para as agruras quotidianas, um “vírus” de que, afortunadamente, é portadora e o resultado… aqui está!
Já fica explicado que este prefácio não tenciona analisar a poesia de Isilda Monteiro, escalpelizar metáforas ou localizar referências, apenas partilhar o prazer de a saber lúcida, atenta e madura.

Carlos Nabais é um fotógrafo com talento e experiência, como poderão concluir mal comece a viagem para que agora nos convida. Dos tempos em que fomos professores, talvez por termos coincidido em menos turmas…, tenho presente que éramos do mesmo clube Os Belenenses e dele recebia as notícias que haviam de distinguir o verdadeiro aficionado desta fraca adepta que achava graça ao escândalo dos alunos quando, protocolarmente no princípio do ano letivo, me interrogavam sobre as minhas afeições. Também as afinidades ideológicas e o modo de as praticar eram tema de rápidas trocas de palavras, entre livros de ponto e colegas rabugentos. Finalmente, o “desprezo” que partilhávamos pelos sinais de estatuto aburguesado que, naqueles bons tempos, eram apanágio de alguns professores, os carros reluzentes e grandes, as elegantes roupas de marca. O Carlos tinha orgulho na sua máquina fotográfica que, como dizia, valia muito mais que a viatura em que chegava à Escola. A minha comparação era com uma aparelhagem que ainda hoje me traz a melhor música.

Depois de Poemas sentidos fui lendo alguns textos partilhados nas redes sociais e fiquei à espera. Reconheço o desejo de ter ao colo o livro, este livro.

Este Mais Que Um Olhar é apenas um degrau na escada que cada poeta sobe a pulso, procurando partilhar o que sente, dando a mão a quem a lê e encontrando nisso o prazer essencial que torna cada dia melhor para ser vivido.

Um mundo natural e feminino, construído em caminhadas e longas deambulações de quem é da Lapa e ganha a consciência de si a cada passo. As contradições e opostos organizam os sentimentos e a sensualidade apaixonada, tudo se entrelaça de modo consistente – natureza, amores, inquietações e fantasias.

De todos quantos aprecias, Florbela, Eugénio, Cesário…, aqui te deixo Rosalía de Castro, do Follas Novas


Uns son árbores muchos e sin follas;
Outros, fontes sin auguas;
montes que a neve eternamente crube
ermos que nunca acabam.
….

Folgo ao confirmar que escolheste o feitiço das águas límpidas e o calor dos corpos!

 

 

Maria dos Prazeres Rovisco

aka (also known as)
Maria Rouco